Texto:

Lívia Oliveira

Jornalista do Portal, Lívia Oliveira é comunicóloga formada em jornalismo e escritora soteropolitana, apaixonada pela comunicação. Autora do romance "Coração Gelado", acumula passagens no Jornal A Tarde, Criativos.

Ilustração:

Rayssa Molinari

Designer de soluções e ilustradora do Portal, Rayssa é multiartista baiana, designer e historiadora em formação pela UNEB. Trabalha com projetos visuais e sociais voltados à negritude desde 2018, como no Diário da Mari, coletivo ZeferinaS. Usa a comunicação visual como uma ferramenta social por meio da ilustração.

Moda de Quebrada

Tendências periféricas exaltam raízes culturais e potencializam a criatividade das comunidades negras

Supervisão: I’sis Almeida

Todos Direitos Reservados, jamais reproduza sem os créditos

A moda nas periferias brasileiras não é apenas um reflexo do que acontece nas ruas; ela é uma expressão de cultura, resistência, ancestralidade e identidade. Nas comunidades, o estilo próprio e as criações de jovens estilistas têm ganhado força, não só como uma tendência visual, mas como uma ferramenta para desafiar estereótipos, resgatar raízes culturais e promover a autoestima da juventude negra no Brasil.

Natália Junqueira, estilista, diretora criativa e criadora de conteúdo digital, explica que a moda é uma linguagem visual que comunica pertencimento, status e também a identidade do indivíduo. “Nas periferias, o que chega muitas vezes é limitado em termos de tendência e oferta, mas essa mesma restrição se transforma em combustível criativo. A escassez faz nascer estilos únicos, misturando o que está disponível com influências culturais próprias, gerando uma estética autêntica e original”. É o caso do surgimento de muitos movimentos de moda urbana, como o streetwear e o funk style, onde o improviso e a ressignificação de peças criam uma narrativa própria, observa Natália.

Padrões de beleza e consumo da moda tradicional também são quebrados através da moda periférica. Isso porque ela propõe uma estética própria e é, muitas vezes, criada por jovens empreendedores, influenciadores e coletivos que querem exibir a riqueza cultural da periferia e celebrar a identidade negra. “Quem cria nesses espaços faz um trabalho incrível de traduzir referências globais para sua realidade, reconfigurando códigos e criando novas tendências que, muitas vezes, acabam sendo apropriadas pela moda mainstream. É como se a periferia estivesse sempre ditando um tipo de tendência silenciosa, que mais cedo ou mais tarde chega às vitrines das grandes marcas”, acrescenta Natália.

Uma característica marcante da moda é a customização, em que peças de baixo custo são transformadas e ressignificadas para refletir o estilo pessoal de quem as usa. A estilista e CEO da marca de sportswear UNIQUE, Luana Vitória, conta que, ao reinventar o que tem à sua disposição, é possível criar peças que dialogam com sua realidade e identidade. “A gente cria nosso estilo com o que a gente tem em casa, e isso é moda, porque está ligada ao nosso comportamento. Não é só vestir uma roupa. Quando vestimos uma roupa, estamos mostrando quem a gente é. No meu trabalho, eu não tento moldar as pessoas, é como se eu pegasse um pouquinho delas e criasse uma peça pensando nessa possibilidade”, explica Luana.

Nesse contexto, com recursos e dinheiro limitados, a criatividade entra em jogo para trazer peças que dialoguem com a cultura local e que também potencializem a autoestima das jovens. “Por não ter tantas condições financeiras, as pessoas usam o necessário, se limitam no que podem usar, porque precisam usar o dinheiro para outras coisas, então automaticamente elas vestem aquilo que seja útil. São peças mais frescas, para o dia a dia, roupas que servem para ir a vários lugares”, pontua Luana.

A cultura periférica tem sido historicamente associada a estereótipos negativos, mas a moda vem ajudando a desconstruir essa imagem. A estilista também observa que utilizar roupas básicas e que facilitam a vida não significa que a pessoa não se sinta bem ou elegante. “O problema não é a gente, a forma como a gente se veste, mas sim como as outras pessoas nos olham de acordo com quem está vestindo. Então, quando eu crio essas roupas, eu não quero trazer uma roupa igual à que a elite veste, eu quero trazer uma roupa que esteja dentro da nossa realidade, roupas que solucionem e facilitem a nossa vida, mas que não deixem de empoderar as pessoas”, destaca a jovem empresária.

Estilistas e influenciadores também reagem a esses estigmas, criando peças que exaltam a força e a resiliência da juventude negra. Nesse cenário, as redes sociais atuam de maneira ativa em promover inspirações e ajudar no empoderamento. “As redes sociais são um espaço poderoso para a gente se inspirar e inspirar outras pessoas da periferia. Eu nasci e cresci na favela de Pernambués e, hoje, graças ao meu trabalho – e muito esforço e ousadia – consigo acessar lugares que nunca imaginei”, relata Natália Junqueira. “Através das minhas redes, levo debates e reflexões para empoderar outras pessoas que vieram do mesmo lugar que eu, mostrando que é possível ocupar esses espaços também. Além disso, elas permitem que vozes antes invisibilizadas ganhem força, ampliem suas narrativas e criem uma rede de apoio e representatividade, ajudando a transformar a forma como a sociedade enxerga as periferias e quem vive nelas”, acrescenta a estilista.

A moda periférica e seu papel social  

“Para a periferia, a aparência e a estética estão totalmente relacionadas ao modo como a expressão dos sentimentos e a experiência periférica vão se refletir na veste. Enquanto para uma tendência e um consumo de mercado, é simplesmente uma ideia consumista de ter aquelas posses daquele modo”, explica Rodolfo de Jesus, pesquisador de moda e composição de aparências das masculinidades negras.

Rodolfo também reflete sobre a relação inseparável entre a cultura afro e a moda periférica. Ela está presente em acessórios, como colares, brincos e turbantes, além do uso de estampas e cores, como era tradicional em sociedades ameríndias e africanas originárias. “As cores são um dos aspectos que a gente consegue enxergar nitidamente. A gente também vai conseguir ver como a cultura atravessa um modo de vestir feminino na relação com a afro-brasilidade no uso de turbantes, tecidos, tranças e o cabelo como um veículo de expressão e de afirmação da autoestima e confiança no mundo”, analisa Rodolfo.

Rodolfo conta que os homens negros também não são diferentes. “A gente vê nos homens negros um modo como a cultura dialoga diretamente com a composição da sua vestimenta. Há um século, enquanto a capoeira era criminalizada, muitos mestres de capoeira usavam brincos, correntes de prata e dentes de prata ou ouro, justamente como uma forma de resistência cultural presente na aparência e estética.”

Ainda segundo o pesquisador, quando a moda ajuda a afirmar e resgatar uma ancestralidade e um posicionamento frente a uma cultura, ela já está desafiando estereótipos. E, junto a isso, também promove uma identidade coletiva. “Se um grupo social naquele lugar se veste, faz daquilo uma tendência, usa um tipo de cor específica, adereço específico ou se organiza na forma de vestir de uma maneira positiva e ética, automaticamente todo o ecossistema daquele lugar vai se identificar com esse processo, vai se identificar com esse modo, vai querer ter em seu corpo, no seu modo de aparecer, validar sua identidade com aquele lugar”, conclui o pesquisador.

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