Texto:

Camila Vieira

Gerente de mídias e comunidades do Portal, Camila é assistente social, mestra em estudos interdisciplinares sobre gênero, doutoranda em Cultura e Sociedade e discente do Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades com foco na formação em comunicação e cultura. Também é pesquisadora, com estudos interdisciplinares voltados a raça, educação, cultura e políticas sociais.

Ilustração:

Lavínia Oliveira

Sócio-fundadora e diretora de arte do Portal, Lavínia Oliveira é artista e designer, nascida em Salvador. Apaixonada por arte, música e tecnologia (como UX/UI e Front-End), busca constantemente por novas perspectivas e abordagens multidisciplinares. Suas criações abraçam a inovação e transmitem uma energia singular, por meio de experiências que mesclam criatividade e os campos da comunicação.

Samba de Roda de Dona Dalva

*Coluna publicada originalmente na edição especial “Ancestralidade”, do Portal Black Fem, em 2019

Ao saber que o tema desta edição era ancestralidade, minha mente viajou imediatamente para minha terra natal. Como se diz na Bahia, “sou nascida e criada” em Cachoeira, uma cidade do Recôncavo Baiano que carrega a alma do Brasil em sua história e cultura. Situada à margem esquerda do Rio Paraguaçu, em frente à cidade de São Félix — ambas unidas e separadas por uma ponte —, Cachoeira é um território que pulsa com memórias de luta e resistência afro-brasileira.

Cachoeira se divide em três distritos: a sede, Belém da Cachoeira e Santiago do Iguape. Todos são ricos em histórias, e o Samba de Roda, declarado Patrimônio Imaterial do Brasil pela Unesco em 2005, é uma das expressões mais emblemáticas dessa herança. Cresci ouvindo cantigas de samba e, com o tempo, compreendi como essas músicas preservam os saberes e lutas de nossos ancestrais.

Um nome que ecoa no coração do Samba de Roda é o de Dona Dalva Damiana de Freitas, nascida em Cachoeira em 1927. Charuteira em sua juventude, Dona Dalva fundou, em 1958, o Samba de Roda Suerdick, que rapidamente se tornou símbolo da tradição local. Percebendo a importância de envolver a juventude nessa herança, ela inspirou a criação do Grupo Mirim Flor do Dia, que atua como um elo entre gerações, ensinando crianças e adolescentes as bases do samba e a preservação das tradições culturais.

Conversando com Any Manuela de Freitas, coordenadora da Casa do Samba e neta de Dona Dalva, aprendi sobre o impacto desse trabalho na formação cultural e humana da juventude de Cachoeira. A Casa do Samba promove oficinas, atividades artísticas e projetos que mesclam tradição e inovação, sempre com respeito às figuras mais velhas e à diversidade cultural. Muitos dos jovens que passaram pelo Grupo Mirim Flor do Dia hoje lideram essas iniciativas, perpetuando um ciclo de aprendizado e empoderamento.

Atualmente, aos 97 anos, Dona Dalva segue à frente da Associação Cultural de Samba de Roda Dalva Damiana de Freitas, promovendo eventos culturais, projetos educativos e preservando a memória viva do samba e da resistência negra. Como ativista cultural, irmã da Irmandade da Boa Morte e primeira Doutora Honoris Causa pela UFRB, ela é um exemplo inabalável de como nossas raízes podem ser o alicerce para transformar o presente e construir o futuro.

O legado de Dona Dalva nos ensina a importância de ouvir e valorizar os mais velhos, de nos aquilombarmos e de preservar nossas histórias e práticas ancestrais. Conhecer nossas raízes é mais do que um ato de resistência; é uma forma de fortalecer a comunidade negra, mantendo viva a herança de sabedoria que nos guia e inspira.

Agradecimentos a Any Manuela de Freitas e à Casa do Samba de Dona Dalva, que mantêm a ancestralidade pulsando viva em Cachoeira.

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