Texto:

Lívia Oliveira

Comunicóloga e escritora, Lívia Oliveira é soteropolitana e apaixonada pela comunicação. Autora do romance "Coração Gelado", acumula passagens no Jornal A Tarde como estagiária e agora, no Portal Black Fem atua como jornalista.

Ilustração:

Lavínia Oliveira

Lavínia Oliveira é artista e designer, apaixonada por música e tecnologia, busca constantemente por novas perspectivas e abordagens multidisciplinares. Esses universos são evidenciados em suas criações que abraçam a inovação e transmitem uma energia singular, por meio de experiências que mesclam criatividade e os campos da comunicação.

Saúde na primeira infância

Investir no desenvolvimento saudável durante os primeiros anos de vida promove um futuro mais equilibrado

Por: Lívia Oliveira/Edição e supervisão: I’sis Almeida

Colagem: Lavínia Oliveira/Portal Black Fem — Todos Direitos Reservados, jamais reproduza sem os créditos

Compreendida pelos primeiros seis anos de vida, a primeira infância é a fase inicial do desenvolvimento físico, emocional e cognitivo de uma criança. Nesse período, são estabelecidas as bases para a adolescência. No entanto, quando se trata de crianças negras, o tema demanda atenção especial.

Um estudo do projeto Primeira Infância para Adultos Saudáveis (Pipas), do Ministério da Saúde, em parceria com a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal e o Instituto de Saúde, aponta que 12% das crianças brasileiras demonstram suspeitas de atraso no desenvolvimento. Esses atrasos se manifestam na ausência de comportamentos e habilidades que são esperados para sua faixa etária.

De acordo com a doula, educadora perinatal e consultora em amamentação, Alice da Silva Vitória, tão importante como a primeira infância é a primeiríssima infância — período que vai da gestação até os três anos de idade -, tempo essencial para a amamentação. Segundo a especialista, a fase não é só importante para o bebê e a família, mas também para a sociedade como um todo, tendo impacto na saúde pública e economia.

“A amamentação influencia a imunidade e o desenvolvimento orofacial, que inclui a respiração, a mastigação e a fala”, explica Alice. “Ela também afeta o sono, pois auxilia na produção de melatonina e reforça o sistema imunológico, especialmente através do colostro, o primeiro leite, que ajuda o bebê a ganhar peso e fornece as principais proteções nos primeiros anos de vida”, completa.

Alice também destaca a importância da educação perinatal, que oferece orientação e suporte para mulheres e famílias durante o final da gravidez e os primeiros anos de vida dos filhos. “Uma educadora perinatal fornece informações sobre a gravidez, o parto, a amamentação e os cuidados com o recém-nascido. Isso não apenas melhora a nutrição da criança, mas também educa os pais”, observa Alice

Um dos períodos críticos da primeiríssima infância é a transição da amamentação para alimentos sólidos. Durante o desenvolvimento infantil, a introdução inadequada de alimentos pode levar a uma série de problemas de saúde, como desnutrição, alergias alimentares, deficiências nutricionais, obesidade infantil e distúrbios gastrointestinais.

Cuidados parentais para desenvolvimento infantil

Os pesquisadores independentes de história africana pré-colonial e psicopedagogia preta, além de criadores de conteúdo na internet — conhecidos como Família Sanko ou Sankofamily — , Mariana Raissa Siqueira Dias, 31, e Rafael Rafael da Silva Santos, 36, estão juntos há 10 anos e tem duas filhas, Areta e Amara, de 6 e 4 anos. Mariana conta que durante a gestação da filha mais velha, a realidade socioeconômica foi o seu maior desafio.

“Eu não fui bem orientada sobre amamentação e sofri episódios de violência obstétrica que me fizeram passar por um processo pós-traumático. A junção desses dois fatores fez com que Areta não fosse amamentada exclusivamente por leite materno e tivemos que aderir ao leite sintético. Por causa da nossa situação financeira à época, tivemos que fazer a introdução alimentar antes do recomendado”, conta Mariana Raissa.

A violência obstétrica, segundo declaração de 2014 da Organização Mundial da Saúde (OMS), inclui violência física, humilhação, abusos verbais, procedimentos coercivos ou que não foram consentidos, falta de confidencialidade, violações da privacidade e até negligência durante o parto. Os dados da pesquisa “Mulheres brasileiras e Gênero nos espaços público e privado”, da Fundação Perseu Abramo em parceria com o Sesc, trazem que uma em cada quatro mulheres já sofreu violência obstétrica no Brasil.

Mesmo tendo passado por isso, a vivência não amargou a experiência de ter sua filha em mãos e dar todo o amor e cuidado que ela merece. “Brincamos que essa é a única coisa que gostaríamos de mudar na nossa relação com a parentalidade, porque nos outros aspectos da criação da Areta e em toda a jornada com a Amara, conseguimos colocar em prática a criação que acreditamos: afeto, pertença, conexão, saúde numa perspectiva preventiva e não paliativa e claro, respeito a cada fase delas”, conta a historiadora

Já Isis Abena, 39, psicanalista e mestranda em Estudos Sobre Gênero, Feminismo e Mulheres na Universidade Federal da Bahia (UFBA), mãe de Ainá de 5 anos, conta que vivenciou a primeiríssima infância durante a pandemia da Covid-19. Na época, ela não tinha apoio na criação e cuidados com a pequena .

“Era um período em que eu estava muito atenta a como nos manter seguras diante do vírus. Estive atenta principalmente a amamentação, no primeiro ano e optei por fazer amamentação exclusiva, apenas com o leite materno e sem quaisquer outro líquido ou alimento, e também de livre demanda, que é apenas quando ela solicitava.”, relata Isis. “Também prestei atenção ao sono, cuidados com aromaterapia, que é a utilização de óleos essenciais e fragrâncias para benefícios físicos e mentais, a massagem shantala, que diminui o ritmo cardíaco e respiratório do bebê, música e um ambiente que fosse confortável e agradável para ela e para nós”, completa a psicanalista.

“Minha vivência é atravessada pela ancestralidade iorubá africana e pelo oráculo de Ifá. Na primeiríssima infância, a gente teve o acompanhamento e a orientação de Ifá, que participou dos cuidados dela e do meu cuidado também. As nossas tecnologias ancestrais também fazem parte desse conjunto de cuidados, além dos cuidados médicos, com visita periódica ao pediatra, mas também o cuidado com a parteria. Ainá nasceu de um parto natural em casa com parteira e presença de doula”, Isis destaca.

Além dos cuidados essenciais, o período da primeiríssima infância também requer algumas atenções das mães negras, como perceber tanto a própria pele quanto a pele do bebê, que pode dar indícios de infecções como a mastite e a icterícia. De acordo com Alice, a mastite é a infecção na glândula mamária da mãe, e a icterícia, doença causada pelo excesso de uma substância produzida pelo fígado, a bilirrubina, e que pode ser percebida na coloração amarelada na pele do bebê.

“Os profissionais de saúde aprendem sempre a partir da pele branca e não a partir da pele negra e às vezes deixam passar, porque eles estão esperando um avermelhado, no caso da mastite, ou um amarelado, no caso da icterícia, que vão estar na pele negra de uma outras formas. Infelizmente quem vai ficar atento se está mais avermelhado ou se está diferente vai ter que ser a mãe”, explica a doula.

Autoestima na primeira infância e reflexos na saúde mental durante a adolescência

A pesquisa “Conversa Sem Filtro: autoestima e confiança com o corpo na adolescência” do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), divulgada em dezembro do ano passado, revelou a gravidade dos problemas de autoestima dos adolescentes brasileiros de 13 a 18 anos de idade. Dos 1.004 adolescentes participantes, 70% demonstraram insatisfação consigo mesmo. A pesquisa também apontou que pessoas negras tendem a concordar menos (25%) com a afirmação sobre estar satisfeitas com quem é do que pessoas brancas (28%).

Para estimular a autoestima saudável, que está associada a vários benefícios para a saúde mental tanto na infância quanto na adolescência, Isis Abena insere na rotina da filha afirmações no espelho que exaltam os traços da negritude. “Eu espero que com esses cuidados ela possa desenvolver uma identidade forte, madura, se orgulhar e honrar sua negritude, ancestralidade e que na adolescência ela encontre junto a mim uma amiga, uma parceira, para que a gente possa continuar essa construção juntas”.

Os pais Rafael e Mariana também se atentam na saúde mental das pequenas, através de práticas culturais com base na ancestralidade africana. “Partimos sempre da autodeterminação. Quando abordamos identidade a partir do olhar amplo sobre a história do continente africano e de seus povos, construímos uma subjetividade orgulhosa de si e de seus pares, fazendo com que essas crianças desenvolvam naturalmente uma autoestima saudável de onde elas partem para uma relação positiva com quem são”, afirma Mariana.

O pai conta que os esforços já estão dando frutos. “Como nossa família sempre foi um projeto muito consistente, nós sempre nos comprometemos com cuidados específicos. Elas diferem positivamente de crianças que não tiveram esse mesmo cuidado por parte dos cuidadores. Posso destacar a segurança, a inteligência emocional que elas têm para lidar com crises normais das fases da infância e também, a capacidade cognitiva expandida manifestada através do desenvolvimento escolar”, destaca Rafael

“Os cuidados específicos na primeira infância são extremamente importantes, mas é importante também entender que toda criança faz parte de um contexto social que muitas vezes viverá recortes onde a mãe ou o pai não conseguirão executá-los como deveriam”, alerta Rafael, que também destaca a importância e responsabilidade da sociedade para com o futuro das crianças.”

Estratégias antirracistas e avanços em políticas públicas

Em resposta à necessidade de abordagens específicas, o UNICEF lançou a estratégia PIA — Primeira Infância Antirracista. A iniciativa visa combater o racismo estrutural e promover um ambiente de equidade desde os primeiros anos de vida. A ação é fruto da parceria com Instituto Promundo, e além de campanha digital, também conta com capacitações para profissionais de Educação, Saúde e Assistência Social para o enfrentamento do racismo nos primeiros anos de vida.

A PIA faz parte da iniciativa #AgendaCidadeUNICEF, e já contou com oficinas, palestras e roda de conversas em oito cidades brasileiras no ano passado, incluindo Salvador. O intuito da ação, que também faz parte da mesma agenda, é implementar políticas públicas inclusivas que priorizem as crianças negras.

Neste ano, sete cidades brasileiras — Salvador, Belém, Fortaleza, Manaus, Recife, Rio de Janeiro e São Luís — aderiram à Unidade Amiga da Primeira Infância (UAPI), também do UNICEF. Em um ano, cerca de 34 mil profissionais de 967 unidades de saúde, educação e assistência social passarão por capacitação, apoio técnico e acompanhamento para a promoção de serviços públicos para a primeira infância dessas cidades.

Na instância federal, em junho deste ano, o presidente Lula assinou um decreto instituindo a Política Nacional Integrada para Primeira Infância (PNIPI). A política busca coordenar esforços intersetoriais, abrangendo saúde, educação e assistência social, para garantir um desenvolvimento saudável das crianças. O decreto garante também a implementação do Marco Legal da Primeira Infância e institui o Comitê Intersetorial da Política Nacional Integrada para Primeira Infância (CIPPI), sob coordenação da Casa Civil.

As ações fazem parte Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC) e se dividem nos eixos: Atenção Humanizada e Qualificada à Gestação, ao Parto, ao Nascimento e ao Recém-Nascido; Amamentação e alimentação complementar saudável; Crescimento e Desenvolvimento; Atenção integral a crianças com agravos prevalentes na infância e com doenças crônicas; Atenção integral à criança em situação de violências, prevenção de acidentes e promoção da cultura de paz; Crianças com deficiência e em situação de vulnerabilidade; Vigilância e prevenção do óbito infantil, fetal e materno.

Para entender mais sobre a primeira infância, acesse:

Ministério da Saúde — https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/s/saude-da-crianca/primeira-infancia

UNICEF — https://www.unicef.org/brazil/central-da-primeira-infancia

Primeira Infância Primeiro — https://primeirainfanciaprimeiro.fmcsv.org.br/

Observatório do Marco Legal da Primeira Infância — https://rnpiobserva.org.br/

Primeira Infância em Pauta — https://www.primeirainfanciaempauta.org.br/indice.html

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