Texto:

Lívia Oliveira

Jornalista do Portal, Lívia Oliveira é comunicóloga formada em jornalismo e escritora soteropolitana, apaixonada pela comunicação. Autora do romance "Coração Gelado", acumula passagens no Jornal A Tarde, Criativos.

Ilustração:

Rayssa Molinari

Designer de soluções e ilustradora do Portal, Rayssa é multiartista baiana, designer e historiadora em formação pela UNEB. Trabalha com projetos visuais e sociais voltados à negritude desde 2018, como no Diário da Mari, coletivo ZeferinaS. Usa a comunicação visual como uma ferramenta social por meio da ilustração.

Futuro em risco

Mudanças climáticas impactam desproporcionalmente a juventude feminina. Minorias são as mais afetadas em emergências climáticas como a catástrofe do Rio Grande do Sul

Supervisão: I’sis Almeida

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Por dois anos seguidos, o quilombo Associação de Afro Desenvolvimento Casa do Boneco de Itacaré (CBI), na Bahia, foi inundado pela água vinda de barragens de contenção do Rio de Contas. No período de chuva, as comportas das barragens que fazem concentração e controle da água costumavam abrir lentamente para a água escorrer. Mas Mestre Jorge Rasta, liderança do quilombo, lembra que entre 2021 e 2022, as comportas foram motivo de inundação na região.

“Em 2021, deixaram para abrir as comportas num momento em que já não havia condições de fazer uma liberação de fluxo lento. O rompimento da barragem da Chapada, e posteriormente a abertura indevida das comportas das barragens, culminou a enchente. Foi uma surpresa, porque no segundo ano a água entrou no mesmo horário do ano anterior, então não é um desastre da natureza, mas sim um desastre usando a natureza”, explica Mestre Jorge Rasta.

A comunidade é um centro de resistência afroindígena conhecido internacionalmente que existe desde 1988. Para a população, o impacto foi incalculável. Além da perda de animais, da lavoura e bloqueio dos acessos ao local, pescadores do manguezal precisavam lidar com uma grande camada de resíduos.

“Como estamos instalados justamente na foz do rio, a gente acaba recebendo todo o lixo que desce. A camada de lodo de lama que passa, às vezes de 15 a 20 cm acumulada, quando a água abaixa, aniquila toda a vida marinha. Com isso, a comunidade perde a principal fonte de arrecadação de alimentos, fruto do trabalho das marisqueiras e pescadores. Têm inundação das casas, perda de móveis, perda de vestuário, documentos, exposição a doenças. Há uma série de consequências que você só percebe depois”, o líder destaca.

O cenário da Casa do Boneco durante e depois da inundação não é diferente da catástrofe climática que assola o Rio Grande do Sul desde final de abril. Apesar disso, a emergência e o número de afetados no sul do país abriu margem para escancarar um problema que há décadas é ignorado: a crise climática mundial e seus impactos na população jovem e feminina.

O termo não é estranho nem novo. A crise climática se refere às mudanças climáticas que estão ocorrendo no planeta e que podem ser sentidas na variação da temperatura anual, no derretimento de geleiras e inúmeros outros desastres. Já a emergência climática é o termo adotado para a urgência do debate a respeito do tema e não somente, para que figuras políticas tomem atitudes baseadas em decisões da chamada governança climática. Os termos se alinham e justificam o outro, afinal a emergência é consequência da crise climática, que por sua vez é consequência da ação humana cada vez mais violenta e irresponsável com o meio ambiente.

Embora todos sejam afetados de alguma forma pela crise e as mudanças climáticas, as mulheres e jovens suportam uma carga desproporcional de consequências. A professora Emanuelle Goes, doutora em Saúde Pública com concentração em Epidemiologia (ISC/UFBA), pesquisadora Pós-Doc no Cidacs/Fiocruz-Bahia e pesquisadora/coordenadora científica da Associação de pesquisa Iyaleta, destaca a intersecção de gênero e raça como um fator crucial na vulnerabilidade aos impactos climáticos.

“Ao pensarmos sobre como as mulheres são mais afetadas pela emergência climática, é preciso considerar as desigualdades prévias baseadas em gênero. Temos que olhar para essa perspectiva para entender por que vai ser diferente, por que vai ser mais agudo e mais adensado para as mulheres e em particular para mulheres negras”, explica a professora e pesquisadora.

Neste cenário, a vulnerabilidade das mulheres é amplificada pela responsabilidade desproporcional que elas assumem dentro dos lares brasileiros. “As mulheres estão em maior condição de pobreza e são sempre as responsáveis pela condução do domicílio, desde chefe de família em termos financeiro, até chefe de família em termos de cuidado de toda a família. Em uma emergência climática, se torna mais desigual, mais pesada essa função”, Emanuelle enfatiza.

Os jovens ainda precisam lidar com a ansiedade climática, também conhecida como ecoansiedade. O conceito se refere à ansiedade e ao estresse que as pessoas sentem em relação às mudanças climáticas e aos problemas ambientais que podem ter um impacto significativo no futuro do planeta.

Um estudo da Lancet Planetary Health mostrou que 59% dos jovens de 16 a 25 anos estão extremamente preocupados com as mudanças climáticas. Junto ao medo, que está diretamente ligado a sentimentos de insegurança e incerteza sobre o futuro, as meninas e adolescentes ainda lidam com mais agravantes.

“No deslocamento climático forçado, as meninas, adolescentes e mulheres precisam ficar em abrigamento coletivo e nesse contexto isso vai agravar as violências sexuais. As crises climáticas, também pensando em crises humanitárias, vão se apresentar de forma diferenciada para minorias de gênero. São as mesmas questões que estavam durante a Covid. Vimos a violência sexual, aumento do feminicídio, a pobreza do tempo com sobrecarga no ambiente doméstico e trabalho”, destaca a professora.

Políticas públicas como chave para a mudança

De acordo com a Nota Técnica Iyaleta nº 1: “Governança de Desastres, Trade-off e Adaptação Norte e Nordeste do Brasil”, realizada pela Associação de Pesquisa Iyaleta — Pesquisa, Ciências e Humanidades, que trata sobre investimento em políticas públicas e adaptação climática, apenas 13,09% dos municípios brasileiros afirmam haver um Plano Municipal de Redução de Riscos.

No Nordeste, o número ainda é menor que o percentual nacional, chegando a 9,42% dos municípios, enquanto no Norte segue na mesma faixa (9,78%). Isso mostra que o país não está preparado para casos de emergência climática. Os dados também apontam que apenas 4,02% dos municípios brasileiros têm leis que contemplem planos para prevenção de enchentes ou inundações. Para a professora Emanuelle Goes, ainda é preciso haver intensidade de políticas públicas, sobretudo com recorte de gênero.

“A violência baseada em gênero tem sido um alerta dentro da Agenda da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) para se pensar estratégias para responder a isso. É preciso uma resposta de enfrentamento a violência baseada em gênero na Agenda do Clima e para isso é preciso participação das mulheres nos espaços de decisão como chefes na agenda”, explica a pesquisadora. “Além disso, é preciso a presença também dos movimentos de ativistas feministas para fazer a interseção da agenda climática com a agenda de gênero”, sugere a intelectual.

De acordo com Emanuelle mulheres tendem a cuidar dos doentes, dos feridos, de prover condições melhores para as pessoas. “Esse lugar que a sociedade deposita nas mulheres faz com que elas se tornem um sujeito fundamental dentro da agenda, mas que não seja só para isso, que as mulheres não fiquem sobrecarregadas nesse contexto por conta dessa dessa imposição social baseada em gênero”, alerta professora.

Iniciativas brasileiras

No Brasil, através da Cúpula dos Povos Rumo à COP 30, ocorre uma mobilização para garantir a participação da sociedade civil na 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), que ocorrerá em Belém (PA), em novembro de 2025. O movimento visa enfrentar a desigualdade socioambiental e o racismo estrutural diante da crise climática global.

A atuação na conferência será marcada por pressão popular ao reunir movimentos sociais, sindicais, e organizações representativas de mulheres, povos indígenas e tradicionais, como a Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), a Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ) e a Coalizão Negra por Direitos.

Em carta lançada durante a 28ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 28) em Dubai, dezembro do ano passado, os movimentos afirmaram trabalhar nos próximos dois anos para “que essa Cúpula dos Povos dê seguimento aos processos históricos de lutas populares latinoamericanos”.

Veja quais organizações fazem parte da cúpula aqui.

Glossário Ambiental:

Para entender melhor as questões climáticas, é preciso estar a par dos termos e seus significados relacionados também com as questões Ambientais. O Portal Black Fem preparou um glossário de termos para você começar a ficar por dentro dos debates climáticos globais.

Questões Climáticas: Refere-se a temas relacionados às mudanças e variações no clima global, incluindo causas, efeitos e estratégias de mitigação e adaptação.

Crise Climática: Descreve a situação de emergência resultante das mudanças climáticas, caracterizada por impactos ambientais, sociais e econômicos severos que exigem ação imediata e substancial.

Emergência Climática ou Emergência do Clima: Situação em que governos e organizações reconhecem a necessidade urgente de enfrentar as mudanças climáticas devido aos seus efeitos devastadores sobre o planeta e a humanidade.

Aquecimento Global: Refere-se ao aumento gradual da temperatura média da atmosfera terrestre e dos oceanos, causado principalmente pela emissão de gases de efeito estufa decorrentes de atividades humanas.

Sociologia do Ambiente: Ramo da sociologia que estuda as interações entre sociedade e meio ambiente, incluindo como os problemas ambientais são percebidos, tratados e regulamentados.

Racismo Ambiental: Discriminação e injustiças ambientais que afetam desproporcionalmente comunidades de minorias raciais e étnicas, resultando em maior exposição a riscos ambientais e menores investimentos em infraestrutura ambiental nessas comunidades.

Ecofacismo ou Racismo Climático: Ideologia que combina preocupações ambientais com políticas autoritárias e xenófobas, justificando a exclusão de grupos vulneráveis em nome da preservação ambiental.

Desastre Ambiental: Evento natural ou causado pelo homem que resulta em danos significativos ao meio ambiente, à saúde humana e à infraestrutura, como derramamentos de óleo, terremotos e incêndios florestais.

Enchentes: Acúmulo temporário de água em áreas normalmente secas, causado por chuvas intensas, rompimento de barragens ou transbordamento de rios, podendo resultar em danos substanciais às comunidades afetadas.

Cheias: Fenômeno de elevação do nível de água de rios, lagos ou mar, geralmente em períodos de chuva intensa ou degelo, que pode levar a enchentes e inundar áreas adjacentes.

Alta Temperatura: Condição de calor extremo que pode afetar a saúde humana, os ecossistemas e a infraestrutura, muitas vezes exacerbada pelas mudanças climáticas.

Seca: Período prolongado de baixa precipitação que resulta em escassez de água, afetando a agricultura, o abastecimento de água e os ecossistemas.

COP: Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), reunião anual onde países discutem e negociam ações para enfrentar as mudanças climáticas.

Plano Nacional do Meio Ambiente: Conjunto de diretrizes e ações coordenadas pelo governo de um país para proteger e conservar o meio ambiente, promovendo o desenvolvimento sustentável.

Plano Nacional das Mudanças do Clima: Estrutura estratégica desenvolvida por um governo para abordar e mitigar os efeitos das mudanças climáticas, estabelecendo metas de redução de emissões de gases de efeito estufa e adaptando setores vulneráveis.

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